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domingo, 7 de dezembro de 2008

Dois exemplos rapidíssimos:

Verônica: Como esquecer! Em algum momento pensei que era minha amiga. Resultou que era uma imbecil, como todas as demais. E além de, protagonista de uma das piores lembranças do maldito primeiro colégio a que fui. Ela magra e morena. Eu quase obesa e branca como os dentes do meu gato. Uma professora pediu a algum dos alunos que pegasse, por favor, a guitarra que estava atrás de um balcão de madeira. Para pegar a guitarra havia que passar por um estreito (bem, não tão estreito) espaço entre a parede e o balcão. Eu, voluntária e aluna predileta, me levantei para pegar a guitarra e sucedeu o óbvio. Não passei.

Era um taque, admitamos. Verônica, graciosa, com um sorriso resplandecente e magra como uma ruga se aproximou dando saltinhos ao cântico de: "Eu vou a Slim, vou a Slim, eu vou a Slim, vou a Slim".

O que mais posso dizer? Slim é uma empresa de farsantes que dizem que te fazem emagrecer com gels e massagens extraterrestres e Verônica é uma idiota por cantar essa canção com uma garota obesa ao lado. E pegou a guitarra. E eu fiquei vermelha. E a chorar, suponho. Invento, porque não me lembro. É impossível, se concordo com todas as humilhações por que passei não tinha que estar viva neste momento. Bom, como se não havia tentado eliminar-me.

Enrique: Este é o pior. Todavia não lhes contei porque troquei de colégio quatro vezes. Verônica e Enrique pertencem ao meu primeiro colégio. Eu já havia me mudado para o segundo colégio, pois como minhas primas seguiam indo ao primeiro, decidi passar a visitar. Sobretudo porque depois de tentar convencer para que não me mudem os professores não tiveram melhor idéia que me pedir que as fosse visitar. Então fui ao bendito Pedagogo e senti a dor da humilhação. Estava mais gorda que nunca. Haviam-me crescido uns pneuzinhos de gordura que eram bastante desagradáveis. Era verão, mas tinha vergonha de mostrar meu corpo então tinha uma camiseta de mangas largas. Todavia não usava corpete assim que minhas tetinhas eram absolutamente antiestéticas. Sufocava-me o calor. Não minto, me sufocava. Entrei sigilosamente na aula e não havia nada. Fui ao pátio e vi os garotos jogando futebol: estavam acompanhados das garotas. Na minha cabeça e até esse momento sempre havia sido muito feminina, ou ao menos acreditava que era. Não me passava pela cabeça a idéia de jogar futebol, isso é coisa de homem. Convidaram-me para jogar e eu disse não (outra vez excluída). Fiquei sentada pastando no pátio do colégio; e digo pátio para não ter que explicar que eram vários hectares de belo parque, cheio de árvores, pinheiros e demais. Depois todos foram subir nas árvores: perigo. Não sei subir em árvores. Quer dizer, sim sei, mas nunca me animava. Tinha a estúpida idéia de que a árvore não ia suportar meu peso. E de fato... Sentia que os galhos se derretiam debaixo de mim. É por isso que outra vez, enquanto todos os demais subiam nas árvores e brincavam de ver quem chegava mais alto, eu ficava excluída. Em baixo. Com as formigas. E os seres humanos em cima. E eu abaixo.

O assunto é que depois se cansaram das árvores e caminhamos todos juntos por entre as árvores arrancando folhas e matos e buscando flores de sapo (assim é que chamamos as desculpas amarelas que fedem). Sentia-me bem. Todos estávamos em baixo. Quando de repente Enrique não teve melhor idéia que fazer um comentário afiado. Já lhes disse que gostava de Enrique? Por isso quando me olhou e abriu a boca meu coração começou a bater com mais força (além disso, estava caminhando a uma velocidade considerável para meus 64 kg de gordura). Enrique me olhou e disse: "E pensar que quando éramos pequenos era a mais linda. Era bela". Eu fiquei vermelha e disse baixinho 'obrigada'. Então Enrique prosseguiu: "Como mudam as pessoas, não?".

Meu mundo desabou. Esperei uns minutos antes de pôr-me a chorar. Esperei estar sozinha, claro. Talvez se alguma vez depois desse livro me encontro de novo com Enrique ou Verônica ou algum dos outros, me digam que não lembram de nada destas anedotas. Assim é o ser humano: subjetivo e com memória seletiva. Não lembro muito desse colégio nem de seus integrantes; mas quando muito depois me perguntavam por que era anoréxica e não acreditavam que havia sido gorda, eu pensava para mim mesma: “Ha... perguntem a Verônica ou a Enrique".

E seguindo com meus traumas, lembro de meus pais. Não é que nunca tenham me apoiado, nada que ver. Sempre dispostos a ajudar-me e cumprir meus caprichos. Sou a perfeita caracterização de filha única de pais de classe média-alta argentina com descendência italiana e espanhola. Bom, filha única fui até os cinco anos quando se ocorreu nascer meu irmão. Enfim, a coisa é que nunca deixei de ser filha única, não porque eu tenho sempre diferentes necessidades. Levo cinco anos com meu irmão e seis com minha irmã, quer dizer: nossas necessidades são diferentes.

Cena 3. Noite. Comedor diário.


Sentados na mesa meus pais, meus irmãozinhos e eu. 13 anos tinha então. Seguia pesando 64, claro.

"Deixa a maionese" - disse papai

"Por quê?" - perguntei inocentemente.

"Porque engorda muito" - me disse.


Naquele momento minha mente infantil não me deixou ler entre linhas, mas o episódio foi suficientemente perturbador para que 9 anos depois seja recordado. Meu pai me estava dizendo que estava gorda, mas como sempre em minha casa: as coisas não se dizem diretamente. Não sabemos dizer as coisas diretamente, quer dizer: dentro da minha casa. Porque fora cada um tem uma personalidade completamente diferente. De todas as maneiras, não quero ir pelos galhos porque é o que eu sempre faço e vou terminar o capitulo falando do tanto que gosto de falar em inglês ou andar a cavalo, em caso de que eu gostasse. De fato, eu gosto. Porém é outro assunto.

Volto com meus pais. Não, melhor, faço um capitulo a sobre aquilo. Aquela noite não deixei a maionese, mas tampouco deixei de pensar na cara de minha mãe olhando comer maionese quase com nojo e ânsia e em por que ela sempre, sempre, sempre comia na salada. O que nunca me questionei era por que ela era esquelética e eu obesa. Não fazia conta, eu estava bem. O assunto é que meus pais me deixavam em baixo. Diziam-me que tinha que comer e que não. Começaram a se preocupar com meu aspecto físico, porém jamais se preocuparam porque eu não tinha amigas ou porque lia demasiado ou porque não recebia chamadas telefônicas nem queria festejar meu aniversário. Essas coisas pareciam não interessar a eles e se escudavam baixo a oração: "É que é uma menina especial".

Especial. Isso sempre fui, ou ao menos era isso que escutava falar de mim. Isso me fizeram escutar, ou isso queriam que eu escutasse, ou isso queriam que os OUTROS escutassem.

Especial. Então me faziam tomar classes de piano. Aos cinco anos minha avó (mãe de minha mãe e concertista) começou a me levar a suas aulas de piano e pouco depois comecei a tomar aulas. Não é por ser convencida, mas era muito boa. Aprendia as notas de memória, tanto que nunca tive que aprender a lê-las em um pentagrama (algo que mais tarde me custou caro quando quis retomar o piano). Assim podia aprender sonatas, sonatinhas, ou concertos inteiros de memória. Cansei-me de escutar que tinha um ouvido incrível e que se me dedicava a isso ia chegar muito longe. De fato, sim. Aos doze ou treze anos dar um concerto onde toque algo de Chopin, Bach ou o idiota de plantão. Tenho essa parte da minha vida tão borrada que dar detalhes seria tosco. O certo é que tenho o folheto do meu concerto em algum lugar de minha casa e também é certo que estou demasiado cômoda neste momento para ir buscá-lo. Se encontrar a empregada domestica pedirei que o busque para mim. Ainda que não esteja segura de que saiba o que é um folheto desta índole. Além disso, é uma suposição e me vão perguntar para que o preciso e me vão perguntar por que já não toco piano e não sei dar explicações às pessoas. Assim é melhor que não lhe peço nada. Ainda que nem sequer esteja, mas se estivesse aqui tampouco lhe pediria algo. De todas as maneiras é um dado estúpido. O que importa?

Não somente era uma excelente aluna de piano, sinto que era o orgulho de minha família. Meus irmãos eram, todavia demasiado pequenos para tocar um instrumento (e a dizer a verdade, nunca lhes exigiram muito) assim que eu era o joão-bobo da casa. Sempre que vinha algum convidado me pediam que tocasse uma invenção de Bach ou alguma sonata, o qual não gostava nem um pouco, mas o fazia. Queriam-me por que tocava piano, estava bem, tinha que fazer-lo. E agora bem, se minha memória não me trair o que tocava até o cansaço era Bertini, Heller, Cimovosa, Czerny e mais tarde Chopin e Piazolla.

Além de piano me mandaram fazer aulas de tênis. Agora deduzo que queriam fazer-me perder toda a gordura. Assim que comecei as aulas durante muito tempo e era boa. Viu?
Isso é o que sempre me incomodou: ser boa em tudo o que queria fazer, ou melhor: em o que me mandava fazer. Porque se fedia talvez me deixasse deixar de fazer-lo, mas era muito boa em tudo.

Minhas habilidades eram muitíssimas: danças, bailes de todos os tipos, tênis, piano, natação, inglês. Aos nove anos comecei a estudar inglês e pouco mais tarde a nadar em um clube. Era excelente em inglês e muito melhor em natação. Pronto comecei a competir em torneios e ganhei todas as competições. Exceto uma. E me lembro que minha 'rival' era uma garota muito maior que eu. Não estavam bem definidas as categorias, não havia forma de que ganhasse desse golfinho de dois metros de altura. Perdi e não voltei a nadar em nenhum torneio.

Sim, tenho medo do fracasso. Por isso odeio os exames e odeio que muita gente leia esse livro e possa criticar me. Porém com o tempo e com os desafios da minha vida eu me dê conta de que o que pensam as pessoas não me interessa, ou que ao menos posso fingir que não me interessa por demais da linha do normal ou esperado. Sim, claro. Sempre excedendo essa linha. Essa sou eu: Cielo, a que excede os limites do normal. Poucas vezes para o bem.

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