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sábado, 13 de dezembro de 2008

Do amor ao ódio há cinco personalidades

O assunto comigo sempre foi que posso ter idéias diametralmente opostas e ainda assim estar em equilíbrio comigo mesma. Posso pensar que tal coisa é uma degeneração e ao mesmo tempo dar-lhe uma volta de porca e amadurecer que talvez não seja tão mal. Assim, posso ter sentimentos opostos a respeito de pessoas, atividades e opiniões. Custa-me muito definir-me. Suponho que a todos nos custa. Tenho razoável inveja daquelas pessoas que tem as coisas tão transparentemente claras... Provocam-me inveja e um pouco de desprezo.

Ai tem! Quase sem querer, um exemplo do que dizia precedentemente: comecei dizendo que tinha inveja daqueles que pensavam claramente e terminei escrevendo que me restavam chatos e preferia ficar em meu estado de confusão permanente. Nunca me decido.

Comigo sempre tudo é uma surpresa. Eu me pego dizendo que gosto de coisas que jamais provei, ou que nunca me houvesse ocorrido provar. Me encontro fazendo coisas que nunca me houveram passado pela cabeça. Minto-me, me engano e crio meus personagens. Nunca fui diagnosticada com transtorno de personalidade... mas acredito que isso foi um presente de Natal dos médicos que me atenderam. Se não tenho transtornos de personalidade então abram as portas do Borda e deixem todos os meus pares serem felizes. Embora sério, isso soa engraçado: você tem várias personalidades voando fora de muitas situações trágicas. Sou várias pessoas ao mesmo tempo e várias pessoas que pensam de maneira muito diferente. Ainda assim, isso não me gera conflitos. Não me contradigo: Penso diferente dependendo de vários fatores. Todas as minhas personagens convivem silenciosamente dentro de mim e esperam por sua vez para sair. De que depende? Como você sabe qual delas tem que sair? Bem, eles têm idéias claras e sabem que cada situação merece uma personalidade diferente, que se adeque, que se molde às circunstâncias em vigor.

As circunstâncias eram um tanto sombrias: nova escola, novas colegas, novos professores. É necessário uma nova personalidade para encarar todas essas mudanças. Um tem de se ajustar a um novo emprego, a uma nova casa, um novo grupo de amigos, e assim por diante. Aqueles que não conhecem necessariamente uma completa mudança de personalidade, criando uma satisfação apenas o que os outros esperam de nós. Então, fica mais fácil "encaixar", pelo que me custou toda a pré-adolescência.

Patris, assim se chamava o suposto colégio bilíngüe e acartonadíssimo que meus pais queriam que eu participasse. A verdade é que não era melhor que qualquer outro colégio (bem, talvez melhor que o primeiro em que eu fui). Pela primeira vez estava iria usar uniforme. Eu imaginei vestindo saia, camisa, gravata e moccasins. Eu calculei errado: o terceiro colégio que fui era cruel, em todos os aspectos. Não só estava longe o mesmo que a morte, mas que era uma área com quase nenhum sinal de vida humana. Sim,
qualquer outra vaca, um casal de ovelhas e talvez até um cavalo. Os uniformes? Um jogging roxo escuro e um suéter branco com o logo do colégio (ao melhor estilo "escudo espanhol") fazendo jogo com a campina verde circundante. Agora, explique-me algo, porque eu não sei muito de modas: Onde já se viu uma pessoa usando jogging e suéter ao mesmo tempo? Assim qualquer coisa então, que nem sequer havia se preocupado por desenhar um uniforme de pessoa normal. Não é por nada que nos gritavam de todos os cantos. Os garotos são cruéis, mas os diretores do Patris eram piores.

Esse colégio era uma desorganização que não estava ajudando a meu estado mental. O último que eu necessitava era um colégio desorganizado. Se suponha que ia aprender: e mais que nunca necessitava de regras e mão firme (não quero que soe sexual dizendo "mão dura"). E digo mais que nunca por que estava me desabando: comia paupérrimamente e jogava competências silenciosas com minhas companheiras do colégio. Silenciosas, digo, porque somente eu sabia que estava competindo. Competência era na realidade algo muito silencioso: saber quanto mediam nossas munhecas (quanto mais dedos podiam tocar dando-lhe a volta em sua munheca, mais magra era) o quanto sobressaiam os ossos de nossos quadris. Minha satisfação máxima era deitar-me e ver que o jeans se apoiava nos ossos no meu quadril e que todo o resto se afundava comodamente em nada. Que quase não tinha barriga. Que se começavam a notar as costelas. Que entre o jeans e minha pele ficavam muitos centímetros de distância.

Sempre me entretive com atividades que não agradavam aos outros. Suponho que por isso fui e sou solitária (agora menos que antes e antes mais que agora). Tudo o que sempre fiz dependia exclusivamente de mim: nadava sozinha, jogava sozinha, dançava em frente ao espelho, lia, escutava música no meu walkman, etc. Nunca pude compartilhar uma atividade. Nunca necessitei compartilhar uma atividade. Suponho que prefiro fazer as coisas sem ajuda, sozinha. Não gosto que me irritem, que alvorotem minha concentração, que me atrapalhem.

Aprecio mais que nada minha vida interior, meu esquisito mundo privado, aquele que ainda que quisesse não poderia explicar. É tão frutífero, é de tantas cores e tem tantas matices que não se poderia entender a dimensão nem a importância que fazem eles. Queria explicar-lo. Queria que meu ócio tivesse sentido para a sociedade: e sem embargo sou condenada. Sei que agora não entendem, mais já vão entender. Em algum momento minhas companheiras do colégio tampouco entendiam por que quando me diziam "Está com olheiras" eu contestava com uma risada cansada, porém feliz. E talvez seguem sem entendê-lo; para dizer a verdade, me cansa ter que explicar tudo as pessoas. E não sou soberba, não. Mas estou cansada. Nem meu corpo, nem minha alma, nem minha mente estão preparados para explicar muito mais, para viver muitos anos mais. Com ou sem competições de munhecas, com ou sem cinturões cortando-me a respiração, com ou sem pais me reprimindo alimenticiamente, com ou sem o valor para seguir. Não muito mais. Não quero muito
mais. Voltemos.

Então concorria esse colégio que em circunstâncias normais não havia sido tão terrível mais que naquelas condições parecia atormentador. Não só ficava longe, tinha péssimos professores e gozava de espantosos uniformes, e que, além disso, era de dupla escolaridade. O que significa isso? Que enquanto isso minhas companheiras entravam as 7:30AM e saiam as 12:30, eu entrava as 8:30AM e saía as 16:30. Certamente não era justo! "Escute-me! Sou uma adolescente começando a perturbar-se, não necessito estar neste colégio". Nada ouvia. Nada queria ouvir. Naquele momento comecei a idealizar meu plano vão-me-colocar-neste-colégio.

Enquanto meditava a estratégia para que me colocassem subitamente o Patris, também seguia tendo relação com minhas companheiras do Estrada, uma relação cada vez mais desgastada, mais espaçada e mais estúpida. Porque eram umas estúpidas. O certo é que nunca foram realmente minhas amigas, até esse momento não havia tido nem uma miserável amizade em 14 anos de existência. E querendo ou não, em 14 anos pode passar de tudo. E quando digo "de tudo" é literalmente isso. E a mim não me havia passado nem uma amiga; nem uma verdadeira. Mais tarde cheguei a pensar que tal coisa chamada amizade realmente não existia. Que era só um rótulo para apedrejar-nos pelas costas e esconder a pedra em baixo de um grito de "Como vou te fazer isso se somos amigos!". Custou-me muito desfazer-me dessa idéia tão convincente e certa. Fiz um esforço enorme para fazer-me acreditar que estava errada, descartar essa idéia de minha cabeça. Finalmente quase o lucro.

As aulas no Patris começaram em 9 de março de 1998. Em 11 do mesmo mês já estava preparada para que me coloquem. Era efetivamente torturante esse colégio e suas regras. Para começar, as diferentes séries tinham horários para comer; porque claro, estavam ironicamente encerrando nesse vastíssimo campo das 8 e meia da manhã e até as 4 e meia da tarde e teria que comer ali ou morrer de desnutrição. Talvez morrer de desnutrição não era tão mal comparado com as outras opções, para saber:

* Pagar uma grande quantia em dinheiro por mês para que o "catering" encarregado te alimente como a um universitário estadunidense de escola pública (isto inclui: comida vomitiva, fria, passada seis vezes pelo microondas, congelada e manuseada) ou

* Levar desde sua casa uma "vianda" (espécie de cesta de plástico que tenta fracassadamente conservar os alimentos frescos) que contenha milanesas feitas na noite anterior, batatas fritas frias, um refrigerante sem gás e mãos sujas... Porque nas viandas infalivelmente se esquecem dos guardanapos.

Por isso digo que talvez morrer de fome não era tão mal. Depois de tudo, com as viandas e o catering corria permanente risco de indisposição mortal. A única razão pela qual ir ao colégio era menos era menos escabroso era porque meus primos iam também. E com meus primos sempre tive a amizade de desejei ter.

Um suponha que porque são primos tenho que querer-lo a um e na realidade não é assim, nem um pouco. Tenho primos com quem me dou bem, primos que amo e alguns que não suporto. De fato, não me espraiei muito no assunto, mas formamos uma grande família. E sete dos meus primos e meus dois irmãos iam ao Patris. Pode-se dizer que isso foi mais verdadeiro e que por isso é mais pausado meu processo de abandono escolar.

Pausado, quero dizer: não me colocaram nessa semana. Foi um grande avanço. Para dizer a verdade, estava o suficientemente irritada com meus pais como para ir todas as tardes, uma vez finalizado o colégio, para dormir na casa dos meus primos. Pondo as coisas em claro, todo adolescente sabe que há casas divertidas e casas chatas. Bem, a minha era chata até a insônia e a 'casa de Zú' era um parque de diversões.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Ana entra em cena, quase sem querer

Aos poucos comecei há interessar um pouco mais por meu aspecto físico. Minhas companheiras, ainda que não fossem lindas, tinham corpos espetaculares para meninas de treze anos. Sentia-me muito mal: primeiro Verônica e Enrique e agora meus pais que me levavam ao nutricionista sem razão aparente. Na realidade existiam razões, mas nada me haviam explicado. Acredito que eu não entendia que estava excedida de peso. Nunca lhes ocorreu de estar com alguém muito bonito? Ver essa pessoa, escutar-la falar, seguir cada um de seus fascinantes gestos, admirar sua beleza... E mais tarde olhar-se no espelho e dar-se conta de que és horrível e que esteve querendo ser belo simplesmente porque estava olhando alguém lindo que viu não ser um. Bom, se nunca lhe ocorreu significa que estou muito mal da cabeça. Mas a mim me passa isso. E como ao meu redor todos eram fracos eu simplesmente dava por suposto de que eu também era e também esquecia de ver-me no espelho, ou não queria ver-me no espelho, ou via outra coisa no espelho (como me passou muito tempo depois, mas desde um ângulo completamente diferente). De qualquer maneira, meus pais me levando compulsivamente a nutricionista. Eu não entendia muito bem o que se passava, por que o médico me pesava e me perguntava o que eu gostava de comer. Entrava chorando e saia ainda pior.

Talvez por isso detesto os médicos. Uns se freqüenta quando se esta mal, ou quando tem um parente doente. São como aves de mau augúrio. Nunca os pode ver como se vem eles, com seu ego infinito: salva-vidas. Como os da praia, mas MUITO melhores porque eles ESTUDARAM muito para conseguir o TÍTULO. Bah... Farsantes. Cretinos. E, falando sério, em 98% das garotas anoréxicas e bulímicas que conheci na minha vida (e acredito que foram muitas) querem estudar ou estudam nutrição. Por favor, give me a rest. São TÃO obvias. Ser anoréxia e estudar nutrição é um clichê tão trilhado que é até espasmódico. Mudemos de assunto.

Levarem-me ao nutricionista era uma punhalada no dedo mindinho do pé, mas talvez me ajudou a ver a realidade que me metera cinza negava a morte: sim eram feios os penteados que me fazia minha mãe e sim era gorda. Mas disso me dei conta num verão não muito prazeroso.

Suponho que meus problemas alimentares sempre tiveram muito a ver com o que estava passando na minha cabeça. Quer dizer: eu não tinha problemas de depressão porque era anoréxica senão que era anoréxica a raiz de que tinha problemas de depressão. Porque, sejamos sinceros, uma pessoa feliz não deixa de comer durante x quantidade de dias. Uma pessoa feliz e desocupada, uma pessoa "normal" (se é que existe isso) não conta cada caloria: simplesmente come. E na última instancia, se engorda faz dieta NORMAL e tema acabado. Como já se deve saber, normal não é uma palavra que cola muito comigo. Interferência. Como quando quer ver um canal na TV satélite e está chovendo. "Detectando antena, por favor, aguarde". Isso me dizia meu cérebro quando eu tentava ser normal. Não posso, impossível. E espere muito tempo. Finja muito tempo, até que explode. Mas como digo eu: ainda é cedo para isso.

Falando da viagem que iniciou tudo. Ou foi o primeiro indicio de que algo estava me passando e que não ia solucionar-se tão facilmente. Trocando-me de colégio talvez pudesse encontrar amigas, mas não podia trocar de vida. Isso era mais complicado e até impossível. E lhes contarei sobre isso.

Corria o verão de 1998 e meus pais decidiram que nossas férias seriam em Punta Del Leste, Uruguai. Suponho que é por causa dessas férias que detesto o Uruguai. Sempre odiei a praia. Presumo que porque para as gordas é muito incomodo estar perto do mar, rodeada de pessoas magras, bronzeadas e demais adjetivos que nunca se usam aplicados em nós gordos. Mas isso havia somado meu problema de zelos. Meus pais decidiram que além de nossa família (papai, mamãe, irmã, irmão e eu) fosse também uma de minhas primas: Déborah. Tem minha idade e nos dávamos bastante bem, a questão é que nunca entendi que tinha que fazer minha prima ai de férias com nós. Quer dizer, se ela tinha sua própria família, porque veraneava com a minha? Coisas de crianças, suponho.

Se falarmos sério tem que dizer que, todavia me assustam duas coisas mais que nada no mundo (quer dizer, das coisas que me ocorrem agora). E essas duas coisas são o abandono e a substituição. Os dois por igual. Na realidade são quase o mesmo. Toda a vida me senti substituída e o certo é que não sei lutar quando estão me desprezando. Quando chega a minha família, o meu grupo de amigas ou a minha vida um par, simplesmente opto por retirar-me, sinto que não posso ser competente de nada. O assunto aqui seria perguntar porque me sinto ameaçada quando estou entre pares, entender por que tenho essa necessidade de competência que para mim antes de começar já é desleal.

Assim que chegamos ao Uruguai com minha prima e outros integrantes da MINHA família. Minha cara de desgosto é pouco dissimulável e minhas ganhas de trocá-la eram poucas assim que simplesmente fique como estava, mas não por muito tempo. Chegou a hora de ir a praia. Enquanto todos preparavam suas bolsas com os trajes de banho, toalhas, bronzeadores e outras ervas eu ficava pintando como se não houvesse percebido o movimento familiar. Quando chegou a hora de subir ao automóvel e ir para a praia eu silenciosamente disse que ia ficar. Na realidade o importante e anedótico é que um aos treze pensa que é adulto e pode manejar situações e pessoas a gosto. E é assim, em muitos casos. Eu sabia como chamar a atenção em minha casa e como demonstrar meu desgosto sem ser rude. Assim essa noite, depois da praia e depois que compraram comida e a serviram na mesa, me decidi a não provar um bocado. Disse que me doía muito a barriga ou algo desse tipo e fiquei olhando complexadamente como todos engoliam comida enquanto me escapava um sorriso pelo canto esquerdo dos meus lábios.

Ao meio-dia seguinte nos sentamos-se à mesa novamente para comer antes de ir a praia. Mas ates minha mãe nos comprou o mesmo presente a minha prima e a mim. Eram uns pijamas, o de Déborah era rosa e o meu celeste. Irritou-me um pouco que não haja diferenças. Quer dizer, o dia que me casar não vou presentear o mesmo a minha filha que a sobrinha do meu marido. Não disse nada, mas odiei esse pijama e não estou segura de haver usado alguma vez. Sentamos-nos a mesa e ainda que estava sofrendo de fome por não haver jantado não podia dar-me ao luxo de complexar a minha família, assim que disse que tampouco ia comer. Meus pais se irritaram o suficiente para que eu me servisse, com cara de nojo, quatro ervilhas e uma folha de alface. Seria de mais dizer que segui com esse comportamento durante os quinze dias de minha estadia nesse país? Fiz que meus pais sofressem nessas férias, porque na realidade minha prima nem havia se informado. E o certo é que eu não estava irritada com minha prima, para nada. Odiava meus pais por haverem me feito isso. Haver me feito o que? Não sei. Mas de Uruguai voltei o suficiente mais magra como para pensar que talvez atrás de toda essa capa de gordura e palidez existia uma garota bela. E de fato, foi o momento de descobrir-me.


Suponho que aos treze anos todas as garotas começam a modificar-se o caráter e fisicamente, mas o meu foi como uma transformação digna de um reality show. Em Punta Del Leste meu cérebro se deu conta de que era muito mais fácil castigar o corpo. Assim, depois de dias sem comer, dias de caras escuras, de pais irritadíssimos, de primas e irmãos desentendidos, contrai uma doença da qual nunca soube nem o porquê, nem quando nem nada que se assemelhe. O que tive? Não sei. Simplesmente uma manhã acordei sentindo-me muito mal e com coceira nas pernas. Com o decorrer das horas mudaram de cor: minhas pernas estavam ficando rosa, mais tarde coradas e ao final do dia pareciam banhadas em sangue. Era um ardor incomodo e não parei de coçar-me tentando aliviar a dor. Comecei a sentir-me mal, com dor de cabeça, com calor e frio... um quadro desagradável. Meu pai tinha um amigo médico nessa cidade assim que fui vê-lo. Carlinhos, quem se tornou meu médico. Será porque que meus pais querem que seja uma menina eternamente? Ou porque é amigo de papai? Coisas que nunca perguntei. Interrogações que aparecem de vez em quando.

Carlinhos me disse que tinha alergia. Mas não pode determinar a que. Não encontrou nenhuma picada nem nada estranho. Mais tarde entenderíamos que não havia sido nada. Absolutamente nada (físico). Era algo exclusivamente mental. Já escutaram falar das doenças ou reações psicossomáticas? Eis aqui o mais claro caso da história da minha vida.

Claramente não suportava a permanência da minha prima, não resistia às caras dos meus pais, não tolerava a praia, detestava Punta Del Leste, condenava Carlinhos e por todas as coisas detestava o fato de haver podido ser magra durante muito tempo e haver ficado sentada no trono oficial de Gorda Rejeitada só por eleição. Esse verão de 98 voltei pra casa determinada a mudar minha vida. Pus-me a fazer natação ferozmente e a comer muitíssimo menos.

Havia tido princípios de anorexia, mas naquele momento todos entendemos ou quisemos entender que simplesmente uma birra de adolescente. Quando voltei a minha cidade meus pais estavam suficientemente irritados comigo como para deixa-me em penitencia ou algo do tipo. Mas como amigas eu não tinha e o telefone de minha casa não tocava, não havia nada que me pudessem tirar.

O verão continuou e as águas se acalmavam. Mas não para mim, que tinha que voltar ao colégio. Aquele segundo colégio, o de guarda-pós e cartucheiras. Graças ao pequeno episódio do verão pesava quase 9 kg menos. Comecei a usar os jeans de minha mãe, coisa que jamais havia pensado antes. Sua roupa me ficava bem. Quase sem querer estava tendo as mesmas medidas que ela.

Quando voltei ao colégio, pode dizer-se que eu era outra pessoa. As pessoas antes não sabiam que eu existia e agora me olhavam, se davam conta da minha existência. Não somente me sentia viva, também comecei a ver-me linda. Assim, comecei a desfrutar dos benefícios de ser admirada. Pediam meu telefone as mulheres e me olhavam os homens. Assim, comecei a receber chamadas de companheiras do colégio e a juntar-me com o grupo mais popular. Eu estava com o grupo; quer dizer, não dentro do grupo, mas ao menos assistia suas reuniões.

Deixei de lado minhas 'amigas' as fracassadas do colégio e me submergi na superficialidade de adolescente do colégio privado. Comprava jeans caríssimos e comecei a vestir-me para que me olhem, não mais para esconder-me. Para mim mesma pensava: se me virem meus companheiros do colégio se assombrariam. Como mudam as pessoas! Não Enrique?

Meu pai me comprou um computador mas não tínhamos internet. Comecei a utilizar o Word para escrever minhas coisas ao melhor estilo "diário intimo". Meu primeiro PC foi uma UBM com menos capacidade que o Ipod que tenho neste momento nas orelhas. Mas servia, ainda que foi só pra aprender o que era um teclado (sobretudo Rocío já havia terminado seu curso de mecanografía).

Dois anos depois já era uma superficial a mais. Me juntava todas as tardes na mesma eqüina com minhas companheiras do colégio para que nos olhem, para ser admiradas. Por fim estava saboreando um pouco de vitória. E era doce, quase sem calorias. Perfeita.

É sabido que quando um sente que as coisas não podem ser melhor ou que pelo menos está vivendo um estúpido e frágil equilíbrio vital, as mesmas tende a desmoronar-se quase instantaneamente. É assim, uma regra vital, uma estúpida conseqüência da consciência. Tenho a alucinação de que quando um é ignorante sua própria felicidade pode ser conservada muito mais tempo e em melhor estado.

Eu era mais cociente do meu estado de beleza, ou ao menos acreditava que estava fortíssima como um rinoceronte asiático. Me tropeçava com as pessoas e fazia que me pedissem perdão. Era toda uma ficção de baixo pressuposto, porque na realidade minha meta era não ser a gorda perdedora que se transformou em uma beleza pura e encantadora. Não. Nunca jamais. Além do mais, nunca acreditei que meu estado era um êxito do meu próprio esforço. Não. Foi um capricho e deu resultados positivos, o qual me deixa supérflua e escorrediza. Não o ganhei com esforço. Não servia muito, necessitava expremer-me e beber o lucro instantaneamente. Embriagar-me de beleza.

Mas como eu disse, regodear-me em minha estúpida e facilmente conquistada felicidade não me trago mais que más noticias. Apareceu mamãe um dia e me disse que haviam aberto um colégio novo perto de casa. Enough already! Não sabem os pais que as mudanças bruscas nessa idade podem provocar dano cerebral permanente? Ou algo parecido. Mas, de todas as maneiras, era uma loucura mudar-me de novo de colégio. Nunca houve um pior momento para pensar nisso: quer dizer, tinha 'amigas', tinha súditos, tinha boas notas no colégio, fazia todos os esportes e Rocío não era mais que um palito sem doença. Quer dizer, havia ganhado! Não podiam fazer-me isso.

Não somente podiam se não que o fizeram. Se inaugurou um colégio bilíngüe e muito exclusivo perto de onde eu morava nesse momento, assim que não podia deixar de ir. Eu por um lado queria pertencer a ele, mas odiava ter que rearmar um grupo do qual ser líder. Porque isso era o que sabia fazer: dar ordens e amontoar súditos. Mais tarde varias pessoas me chamariam 'manipuladora', mas todavia é cedo para isso.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Everybody Changes

Sim, esse é meu nome. Cielo. Pouco comum, mas claro: não podia chamar-me de outra maneira. Era previsível que meu nome não podia ser comum, tinha que ser especial. Às vezes me pergunto se me castigaram por toda minha vida meus pais ao dar-me esse nome. Talvez se me houvesse chamado Florência ou Marta não me houvesse sucedido metade das coisas que me ocorreu viver, sofrer, negar, experimentar, etc. Assim que meu nome é especial, como eu (segundo meus pais). Sim, agora tenho amigas (e das melhores), mas elas não acreditam que seja especial, simplesmente que estou louca. "Uma louca linda" como está na moda catalogar os retorcidos mentais para que não se violentem. E não é que eu acredite que sou uma retorcida. Sim, para dizer a verdade creio que sou uma retorcida, porém concordo com minhas amigas: não posso causar dano a nada. Somente a mim mesma ou a outros por intermédio de mim. Chego a uma época em minha vida quando em vês de irritar-me com alguém que me castigava a mim mesma para afetar esse outro alguém. Mas isso vem mais tarde. Suponho que ainda é cedo.

Depois das experiências do meu primeiro colégio meus pais decidiram mandar-me a outro. O segundo colégio que fui parecia muito mais com um colégio normal que o anterior. Os alunos levavam guardanapos brancos e se sentavam nos famosos "bancos" ou "carteiras" dos que tanto havia ouvido falar, mas nunca havia visto. Vale dizer que no Pedagógico (meu primeiro colégio) nos sentávamos em almofadas e em posição "chinesa" fazendo uma roda. Escrevíamos no piso e não tínhamos pertences. Era o comunismo fazendo colégio. Nunca se sabia se seu companheiro tinha prata ou não porque não o vias vestido de nenhuma maneira. Usávamos "pintores": uma sorte de guarda-pó, mas que te mandavam fazer (a sua mãe, claro) do qual podia escolher o estampado ou o escocês que queria levar todo o ano. Uma porcaria. Como dizia, nem sequer nos deixavam levar pulseiras ou relógios. "Nem todos os meninos podem comprar relógios ou pulseiras assim que nenhuns de vocês devem trazê-los ao colégio". Essa foi a maneira que encontraram as professoras de apropriar-se de pulseirinhas ou relógios que viam brilhando no recreio. Ficavam com tudo (suponho que como "castigo por haver quebrado as regras"). Uma palhaçada, como tudo desse colégio. Não usávamos porta-úteis ou cartucheiras, simplesmente havia uma caixa de madeira com lápis com o nome de cada aluno. E quatro borrachas de apagar. Tampouco havia lapiseiras, nem exames, nem boletins, nem nada. Era absolutamente qualquer coisa. E a mim me incomodava minha prima que se encontrava sempre com a borracha de apagar na mão. Sobretudo porque eu era basicamente ruim em matemática e tinha que apagar todo o tempo. Nunca me agradou isso de comunismo. Tudo para todos? Sempre há algum vivo que se aproveita do que é de todos. Melhor comprar minha própria borracha e problema resolvido. Nunca o fiz, agora que o menciono. Porque nunca quebrava as malditas regras do colégio. E nunca faltava, porque minha mãe não me deixava e mais porque quando faltava no colégio me aborrecia. Claro: não tinha amigas, o que ia fazer em minha casa todo o dia? Comer e ver televisão, que pergunta!

Então me tiraram desse colégio onde me fizeram ler "O clã do osso cavernoso" aos dez anos (tem partes suficientemente acima do tom para considerar-las material inapropriado para alunos de dez anos) e me trocaram a Estrada. Um colégio 'normal', com companheiros normais e até talvez mais cruéis que os do Pedagógico. Porque pior que falem mal de um é que nem sequer o olhem ou notem sua presença. Em isso me converti: em a gorda que vai ao colégio privado e chato da cidade. Isso presumia:

a) que não ia ter amigas ou

b) que minhas amigas iam ser tão fracassadas ou mais que eu


Nenhuma das opções de parecia viável, pois simplesmente cai nesse colégio desprevenido. Ah, agora que recordo: Rocío. Nunca odiaram e admiraram alguém alguma vez? Sim, provavelmente seus pais, mas me refiro a um par: um companheiro de colégio, de trabalho, de algo. A mim se passou, mais de uma vez e é o momento de falar de Rocío e mais indiretamente de minha mãe.

Minha mãe sempre quis que eu fosse um dez. Quer dizer, um pau e um zero ao lado. Sempre fui um zero, bem redondo e gordo... E tempos depois me informei da existência de "os dez". Uma amiga de meus pais que eram dez. Eram cinco, mas os escutavas falar de suas habilidades e me sentia miserável em menos de duas palavras. Jogavam tênis, golfe, basquete, nadavam, eram perfeitos alunos, arquitetos, falavam perfeitíssimo inglês, faziam viagens por todo o mundo, eram extremamente independentes não só economicamente, mas sim em todo sentido da palavra. Eram 10. Assim de fácil.

Tive a maldita sorte de que a amiga de mamãe tinha uma filha de minha idade, porém abismadamente diferente. Rocío. Ela não tocava piano, mas fazia todos os demais, imaginem qualquer coisa possível: Rocío o fazia. O quadro se complicou um pouco quando comecei a escutar mamãe dizendo periodicamente que algum filho perfeito de sua amiga havia recebido algum estúpido premio. Basicamente comecei a irritar-me a repetição em serie de comentários edulcorados fazia Rocío, ou qualquer se seus familiares. Como ela estudava inglês, minha mãe me mandou estudar inglês. Como ela dançava danças contemporâneas eu comecei a fazer-lo. E assim seguia como um detetive frustrado as pegadas de Rocío. O melhor: cumpria os caprichos de minha mãe. Talvez mamãe pensasse que ia parecer sua amiga se eu parecesse sua filha. Não sei.

Graças a Rocío minhas habilidades eram inumeráveis: natação, danças de todo tipo, patinete artístico! Destreza, patinagem no gelo, estudante de inglês... argh... Era um xérox vulgar de minha amiga e companheira de colégio: porque mamãe me levou a Estrada porque Rocío ia a Estrada.

E ai queria chegar. Ah, esqueci de dizer que enquanto eu pesava 64, Rocío pesava 39. Mas claro "tem contexturas diferentes". Se a viram (a sigo vendo) saberiam do que estou falando. Tem o corpo que toda mulher quer, acredito. Dura e branca e com uma cara preciosa e fraca e asquerosamente perfeita. E é boa menina. para odiar-la, não? Enfim.

Assim que comecei na Estrada. O primeiro dia de aula de guarda-pó branco e cartucheira própria haviam chegado. E fui um fiasco. Compartilhavam-se os bancos e não tinha com quem sentar-me. Rocío me havia deixado absolutamente sozinha e claro, eu também havia me deixado sozinha. Mas não voltei chorando para casa, estava mais que acostumada a solidão... e de fato a desfrutava. Nunca havia tido amigas, não porque me custava relacionar-me, e sim porque não sabia o que significava isso nem como fazer-lo. Não se pode estranhar algo que nunca de teve eu jamais havia tido amigas nem relações de nenhum tipo com meninos/as de minha idade. Assim que simplesmente me sentia em uma obra de teatro onde os atores eram os mesmos e as situações similares; onde o unico que mudava era o decorado. Em vez de sentar-me em almofadas agora me doia a bunda cotra um acentp e apoiava minha carteira em um banco cheio de frases escritas com liquid-paper. E agora em vez de cortar mato num enorme bosque do Pedagógico tinha que contar lajotas em um típico pátio de dois por três metros quadrados. Uma delicia.

Mas à medida que passou o tempo fui-me acostumando ao 'normal' e comecei a desprezar o 'especial' que antes apreciava tanto. Comecei a ter tarefa, deveres, professoras como na televisão, companheiros de guarda-pós brancos, recreio com campanhia e até um quiosque. Coisas que até esse momento eram impensáveis para mim dentro de um colégio.

E ainda que muitas coisas houvessem mudado ao meu redor, eu seguia sendo a mesma. A gorda, ainda que esta vez não fosse à única. Eu era a única nova. Assim que comecei a me juntar com um bando de fracassadas, essas que não tinham amigas (justo como eu).

Corria 1997 e meu telefone começava a tocar. Em vez de ler livros por prazer começava a fazer-lo por dever. As coisas seguiam mudando e eu estava mudando. De repente a solitária pessoa que eu era foi desaparecendo e apareceu o vestígio do que sou hoje, mas uma versão extragrande. A personalidade estava-se forjando, mas, todavia dava um grande trabalho para a construção da serpente em que me converti.

Dois exemplos rapidíssimos:

Verônica: Como esquecer! Em algum momento pensei que era minha amiga. Resultou que era uma imbecil, como todas as demais. E além de, protagonista de uma das piores lembranças do maldito primeiro colégio a que fui. Ela magra e morena. Eu quase obesa e branca como os dentes do meu gato. Uma professora pediu a algum dos alunos que pegasse, por favor, a guitarra que estava atrás de um balcão de madeira. Para pegar a guitarra havia que passar por um estreito (bem, não tão estreito) espaço entre a parede e o balcão. Eu, voluntária e aluna predileta, me levantei para pegar a guitarra e sucedeu o óbvio. Não passei.

Era um taque, admitamos. Verônica, graciosa, com um sorriso resplandecente e magra como uma ruga se aproximou dando saltinhos ao cântico de: "Eu vou a Slim, vou a Slim, eu vou a Slim, vou a Slim".

O que mais posso dizer? Slim é uma empresa de farsantes que dizem que te fazem emagrecer com gels e massagens extraterrestres e Verônica é uma idiota por cantar essa canção com uma garota obesa ao lado. E pegou a guitarra. E eu fiquei vermelha. E a chorar, suponho. Invento, porque não me lembro. É impossível, se concordo com todas as humilhações por que passei não tinha que estar viva neste momento. Bom, como se não havia tentado eliminar-me.

Enrique: Este é o pior. Todavia não lhes contei porque troquei de colégio quatro vezes. Verônica e Enrique pertencem ao meu primeiro colégio. Eu já havia me mudado para o segundo colégio, pois como minhas primas seguiam indo ao primeiro, decidi passar a visitar. Sobretudo porque depois de tentar convencer para que não me mudem os professores não tiveram melhor idéia que me pedir que as fosse visitar. Então fui ao bendito Pedagogo e senti a dor da humilhação. Estava mais gorda que nunca. Haviam-me crescido uns pneuzinhos de gordura que eram bastante desagradáveis. Era verão, mas tinha vergonha de mostrar meu corpo então tinha uma camiseta de mangas largas. Todavia não usava corpete assim que minhas tetinhas eram absolutamente antiestéticas. Sufocava-me o calor. Não minto, me sufocava. Entrei sigilosamente na aula e não havia nada. Fui ao pátio e vi os garotos jogando futebol: estavam acompanhados das garotas. Na minha cabeça e até esse momento sempre havia sido muito feminina, ou ao menos acreditava que era. Não me passava pela cabeça a idéia de jogar futebol, isso é coisa de homem. Convidaram-me para jogar e eu disse não (outra vez excluída). Fiquei sentada pastando no pátio do colégio; e digo pátio para não ter que explicar que eram vários hectares de belo parque, cheio de árvores, pinheiros e demais. Depois todos foram subir nas árvores: perigo. Não sei subir em árvores. Quer dizer, sim sei, mas nunca me animava. Tinha a estúpida idéia de que a árvore não ia suportar meu peso. E de fato... Sentia que os galhos se derretiam debaixo de mim. É por isso que outra vez, enquanto todos os demais subiam nas árvores e brincavam de ver quem chegava mais alto, eu ficava excluída. Em baixo. Com as formigas. E os seres humanos em cima. E eu abaixo.

O assunto é que depois se cansaram das árvores e caminhamos todos juntos por entre as árvores arrancando folhas e matos e buscando flores de sapo (assim é que chamamos as desculpas amarelas que fedem). Sentia-me bem. Todos estávamos em baixo. Quando de repente Enrique não teve melhor idéia que fazer um comentário afiado. Já lhes disse que gostava de Enrique? Por isso quando me olhou e abriu a boca meu coração começou a bater com mais força (além disso, estava caminhando a uma velocidade considerável para meus 64 kg de gordura). Enrique me olhou e disse: "E pensar que quando éramos pequenos era a mais linda. Era bela". Eu fiquei vermelha e disse baixinho 'obrigada'. Então Enrique prosseguiu: "Como mudam as pessoas, não?".

Meu mundo desabou. Esperei uns minutos antes de pôr-me a chorar. Esperei estar sozinha, claro. Talvez se alguma vez depois desse livro me encontro de novo com Enrique ou Verônica ou algum dos outros, me digam que não lembram de nada destas anedotas. Assim é o ser humano: subjetivo e com memória seletiva. Não lembro muito desse colégio nem de seus integrantes; mas quando muito depois me perguntavam por que era anoréxica e não acreditavam que havia sido gorda, eu pensava para mim mesma: “Ha... perguntem a Verônica ou a Enrique".

E seguindo com meus traumas, lembro de meus pais. Não é que nunca tenham me apoiado, nada que ver. Sempre dispostos a ajudar-me e cumprir meus caprichos. Sou a perfeita caracterização de filha única de pais de classe média-alta argentina com descendência italiana e espanhola. Bom, filha única fui até os cinco anos quando se ocorreu nascer meu irmão. Enfim, a coisa é que nunca deixei de ser filha única, não porque eu tenho sempre diferentes necessidades. Levo cinco anos com meu irmão e seis com minha irmã, quer dizer: nossas necessidades são diferentes.

Cena 3. Noite. Comedor diário.


Sentados na mesa meus pais, meus irmãozinhos e eu. 13 anos tinha então. Seguia pesando 64, claro.

"Deixa a maionese" - disse papai

"Por quê?" - perguntei inocentemente.

"Porque engorda muito" - me disse.


Naquele momento minha mente infantil não me deixou ler entre linhas, mas o episódio foi suficientemente perturbador para que 9 anos depois seja recordado. Meu pai me estava dizendo que estava gorda, mas como sempre em minha casa: as coisas não se dizem diretamente. Não sabemos dizer as coisas diretamente, quer dizer: dentro da minha casa. Porque fora cada um tem uma personalidade completamente diferente. De todas as maneiras, não quero ir pelos galhos porque é o que eu sempre faço e vou terminar o capitulo falando do tanto que gosto de falar em inglês ou andar a cavalo, em caso de que eu gostasse. De fato, eu gosto. Porém é outro assunto.

Volto com meus pais. Não, melhor, faço um capitulo a sobre aquilo. Aquela noite não deixei a maionese, mas tampouco deixei de pensar na cara de minha mãe olhando comer maionese quase com nojo e ânsia e em por que ela sempre, sempre, sempre comia na salada. O que nunca me questionei era por que ela era esquelética e eu obesa. Não fazia conta, eu estava bem. O assunto é que meus pais me deixavam em baixo. Diziam-me que tinha que comer e que não. Começaram a se preocupar com meu aspecto físico, porém jamais se preocuparam porque eu não tinha amigas ou porque lia demasiado ou porque não recebia chamadas telefônicas nem queria festejar meu aniversário. Essas coisas pareciam não interessar a eles e se escudavam baixo a oração: "É que é uma menina especial".

Especial. Isso sempre fui, ou ao menos era isso que escutava falar de mim. Isso me fizeram escutar, ou isso queriam que eu escutasse, ou isso queriam que os OUTROS escutassem.

Especial. Então me faziam tomar classes de piano. Aos cinco anos minha avó (mãe de minha mãe e concertista) começou a me levar a suas aulas de piano e pouco depois comecei a tomar aulas. Não é por ser convencida, mas era muito boa. Aprendia as notas de memória, tanto que nunca tive que aprender a lê-las em um pentagrama (algo que mais tarde me custou caro quando quis retomar o piano). Assim podia aprender sonatas, sonatinhas, ou concertos inteiros de memória. Cansei-me de escutar que tinha um ouvido incrível e que se me dedicava a isso ia chegar muito longe. De fato, sim. Aos doze ou treze anos dar um concerto onde toque algo de Chopin, Bach ou o idiota de plantão. Tenho essa parte da minha vida tão borrada que dar detalhes seria tosco. O certo é que tenho o folheto do meu concerto em algum lugar de minha casa e também é certo que estou demasiado cômoda neste momento para ir buscá-lo. Se encontrar a empregada domestica pedirei que o busque para mim. Ainda que não esteja segura de que saiba o que é um folheto desta índole. Além disso, é uma suposição e me vão perguntar para que o preciso e me vão perguntar por que já não toco piano e não sei dar explicações às pessoas. Assim é melhor que não lhe peço nada. Ainda que nem sequer esteja, mas se estivesse aqui tampouco lhe pediria algo. De todas as maneiras é um dado estúpido. O que importa?

Não somente era uma excelente aluna de piano, sinto que era o orgulho de minha família. Meus irmãos eram, todavia demasiado pequenos para tocar um instrumento (e a dizer a verdade, nunca lhes exigiram muito) assim que eu era o joão-bobo da casa. Sempre que vinha algum convidado me pediam que tocasse uma invenção de Bach ou alguma sonata, o qual não gostava nem um pouco, mas o fazia. Queriam-me por que tocava piano, estava bem, tinha que fazer-lo. E agora bem, se minha memória não me trair o que tocava até o cansaço era Bertini, Heller, Cimovosa, Czerny e mais tarde Chopin e Piazolla.

Além de piano me mandaram fazer aulas de tênis. Agora deduzo que queriam fazer-me perder toda a gordura. Assim que comecei as aulas durante muito tempo e era boa. Viu?
Isso é o que sempre me incomodou: ser boa em tudo o que queria fazer, ou melhor: em o que me mandava fazer. Porque se fedia talvez me deixasse deixar de fazer-lo, mas era muito boa em tudo.

Minhas habilidades eram muitíssimas: danças, bailes de todos os tipos, tênis, piano, natação, inglês. Aos nove anos comecei a estudar inglês e pouco mais tarde a nadar em um clube. Era excelente em inglês e muito melhor em natação. Pronto comecei a competir em torneios e ganhei todas as competições. Exceto uma. E me lembro que minha 'rival' era uma garota muito maior que eu. Não estavam bem definidas as categorias, não havia forma de que ganhasse desse golfinho de dois metros de altura. Perdi e não voltei a nadar em nenhum torneio.

Sim, tenho medo do fracasso. Por isso odeio os exames e odeio que muita gente leia esse livro e possa criticar me. Porém com o tempo e com os desafios da minha vida eu me dê conta de que o que pensam as pessoas não me interessa, ou que ao menos posso fingir que não me interessa por demais da linha do normal ou esperado. Sim, claro. Sempre excedendo essa linha. Essa sou eu: Cielo, a que excede os limites do normal. Poucas vezes para o bem.

Comecemos pelo principio

Uff ... É difícil começar a escrever um livro. Bem, eu teria de me apresentar. Antes de dizer meu nome eu vou dizer quem sou. Ou quem não sou melhor: não sou normal. Eu não sou uma mulher a quem as coisas estavam difíceis na vida, nunca sofri problemas de dinheiro, nem problemas de divórcio dos pais ou problemas escolares, digamos que sempre tive uma vida suficientemente calma como para entediar-me até limites insuspeitos...

Isso não significa que tenha tido uma vida perfeita: muito pelo contrário, creio que tanto aborrecimento e, tanto "não passar laranja" levaram-me a angústias por coisa alguma. Bem, eu teria de ter um par de conversações com o Nestor que é quem realmente sabe de que cor é o repolho.

O problema é que ao invés de brincar com Barbies leio contos. Infantis e nem tanto. Lembro-me de tomar os livros que meus pais deixavam esquecidos em cima de mesas ou pianos. Mas sobre todas as coisas: eu não tinha amigas. Literalmente e eu não estou
exagerando, não tinha uma amiga. Sempre fui demasiado boa, creio que foi esse o meu problema. O que diziam de mim me afetava absolutamente demasiado e, sejamos sinceros, os comentários das crianças podem ser muito destrutivos. Principalmente se você tem doze anos e pesa 64 kg.

Sim. 64 kg. Media pouco mais que um anão e pesava mais que o meu pai. Era escandalosamente gorda. Abominável. Bom, nem tanto, mas era essa a imagem pensava EU que os DEMAIS tinham de mim. Até há pouco tempo eu achava que minha imagem pessoal era boa, que minha auto-estima era elevada e baseava-se em limites corretos e esperados. Mas depois de dei conta de que não era que não tinha amigas por que era gorda: e sim que era gorda por que não tinha amigas. Espero que se entenda. É dizer, não gosto de explicar muito. Sou mais de dizer e esperar que se entenda, mas como recém estamos começando, prefiro explicar, só pelas duvidas. Na realidade eu não me via mal, mas me sentia mal então tudo o que fazia era COMER. Minhas companheiras do colégio pulavam corda e eu comia, meus companheiros jogavam futebol e eu comia, eles eram alunos perfeitos e eu comia. Enquanto eles colhiam flores eu me apaixonava estupidamente por Frederico Rodríguez. Um companheiro com óculos que nunca ia me dar bola. Simplesmente porque pesava 64 kg e seriamente: porque era rara. E sim. Era a preferida dos professores, nunca faltava as aulas, passava os recreios caminhando sozinha pelo colégio sem emitir palavras e tocava piano como os deuses.

Uma garota que cresceu lendo Bécquer enquanto suas companheiras brincavam de ver quem pintava os lábios da cor mais bonita, não é normal. E nunca convidei uma amiga a minha casa, nunca, nunca, nunca. Nunca me chamaram por telefone (talvez dai minha quase-fobia telefônica). Mas não é exagero. Creio que nem eu sabia o meu telefone de memória. Bom, era rara, simplesmente, cruelmente rara. Não somente porque não tinha os mesmos hábitos que todas as demais, porém era bastante complexada graças aos meus pais e companheirinhos do colégio.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Prólogo

Este livro pode experimentar muitas coisas, mas inevitavelmente falar sobre mim. Sempre é mais fácil de contar as coisas do ponto de vista próprio. Talvez também seja por isso que me ajudou com as conversas, e-mails, etc., de forma que não pareça tão sério, nem tão oficial, nem nada.

Este não é o DSM-IV ou até menos, é simplesmente uma versão menos estruturada e adaptada à realidade das questões que com o tempo envenenam os adolescentes. Eu vou falar, por vezes, em termos médicos, não devido ao fato de ter estudado medicina, mas porque eu tive que vive-lo, sofrê-lo, sangrá-lo, vômitar-o. Dessa forma, terá melhor aproveito este lugarzinho para prologar que, sim, por vezes eu sou muito auto-suficiente, egocêntrica e arrogante na hora de escrever. E, a propósito, eu acho que sei mais sobre anorexia e suicídio que psicólogos e médicos que tentaram me ajudar. Não é bobagem. Só que eu acho que a experiência não é transmissível... E que, embora eu tenha lido muitas vezes que essa dor é pontante, nunca na minha vida senti uma pontada. Então eu não me venha dizer os sintomas que tenho de sentir ou fazer, porque eu tinha o suficiente. E sim, talvez com a passagem de algumas folhas de você opte por devolver o livro e troca-lo por uma das histórias infantis, outros os proíbem de ler e muitos, muitos outros estão coçando suas faces com o meu livro. Eu não podia ser mais. Isso é o que tenho a dizer.

Simplesmente escrevo isso como um método terapêutico. Não, esse é o discurso que tenho preparado no caso do meu livro armar algum tipo de tumulto nos meios. Mas a minha historia diz que eu sou transgressora: um fotolog e uma página da web já se encarregaram de fazer-me "famosa".

Ok... Quero deixar claro isto: não busquem definições ou dogmas em meu livro. ABZURDAH não é apenas o que dizem os livros de medicina, psicologia, psiquiatria ou de outras áreas (e não é para desacreditar médicos e assim por diante, né?). Mas, como eu disse antes, ABZURDAH é mais do que um punhado de definições. Eu tenho um monte que contam que eu era muito sofrida. Bem... "Eu sofri". Ironicamente, há quem escolha estar doente e aí vem um ponto onde mesmo apreciá-la, mas agora é cedo para falar dessas coisas.

Neste momento, apenas direi que este não é um livro fácil. Não importa a sua leitura, que, na realidade, é bastante insípida, mas sobre o assunto e o ponto de vista a partir do qual a aparenta. Embora eu deva dizer que ao longo dos anos e páginas este ponto de vista do escritor foi percorrendo graus e graus, mais para a direita ou para a esquerda, dependendo da emocionalidade prevalecente. Passado em claro: é foda.

Toca tópicos fodidos. E se você não estiver disposto a ver as coisas a ficarem fodidas, vá para a biblioteca, substituir, e se você estiver satisfeito com Charles Perrault. Eu não sou Cinderela, nem Hansel e Gretel. Sou sim o lobo. Um lobo confuso, indignado e auto-destrutivo.

Abzurdah, Cielo Latini